O Morcego - Augusto dos Anjos
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
"Vou mandar levantar outra parede..."
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
Em meu pescoço as feridas causadas pelas mordidas deste “rato com asas” não têm tempo sequer de cicatrizar... A mente também sangra, meu pescoço lateja e jorra um líquido escuro e fétido, com cheiro de culpa e transtornos psicóticos.
Meu coração pulsa, minha mente fervilha, meu corpo deseja e minha alma – todas as noites – se entrega aos devaneios mais mirabolantes e inconfessos. Todos os dias, exceto aqueles nos quais me entrego em carne viva a tal devassidão...
Meu anjo dá-me as costas e se afasta, acredito que corado de vergonha de meus loucos arroubos de luxúria e insanidade.
Nalguns momentos desejo ser essa “consciência humana, em forma de morcego”, daí estaria realizada – oh alegria – imagino-me a adentrar tantos quartos, a sondar pensamentos e perversamente afugentar o sono de tantos homens quanto pudesse... Sem dó nem piedade, dentes afiados e compridos como agulhas, enlouquecê-los e por puro prazer sugar-lhes o sangue!
Meu Deus!!!
ResponderExcluirAcho que falta um pedaço. O mais ardente. Espero lê-lo
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